Desenhando Poesia

Os poemas são pássaros que chegam/não se sabe de onde e pousam no livro que lês. /Quando fechas o livro, eles alçam vôo como de um alçapão./ Eles não têm pouso nem porto/ alimentam-se um instante em cada par de mãos e partem./ E olhas, então, essas tuas mãos vazias,/no maravilhado espanto de saberes/que o alimento deles já estava em ti... Mário Quintana

28.9.06

Augusto dos Anjos. VANDALISMO


Meu coração tem catedrais imensas,
Templos de priscas e longínquas datas,
Onde um nume de amor, em serenatas,
Canta a aleluia virginal das crenças.

Na ogiva fúlgida e nas colunatas
Vertem lustrais irradiações intensas
Cintilações de lâmpadas suspensas
E as ametistas e os florões e as pratas.

Como os velhos Templários medievais
Entrei um dia nessas catedrais
E nesses templos claros e risonhos ...

E erguendo os gládios e brandindo as hastas,
No desespero dos iconoclastas,
Quebrei a imagem dos meus próprios sonhos!


http://www.manueljodar.com/ - montagem sobre o trabalho de Manuel Jódar.

Manuel Bandeira. PARDALZINHO

O pardalzinho nasceu Livre. Quebraram-lhe a asa.Sacha lhe deu uma casa, Água, comida e carinhos. Foram cuidados em vão:A casa era uma prisão, O pardalzinho morreu.O corpo Sacha enterrou No jardim; a alma, essa voou Para o céu dos passarinhos!

24.9.06

Carlos Drummond de Andrade. QUADRILHA



João amava Teresa que amava Raimundo
que amava Maria que amava Joaquim que amava Lili
que não amava ninguém.
João foi para o Estados Unidos, Teresa para o convento,
Raimundo morreu de desastre, Maria ficou para tia,
Joaquim suicidou-se e Lili casou com J. Pinto Fernandes
que não tinha entrado na história.

22.9.06

Fernando Pessoa. CONSELHO





Cerca de grandes muros quem te sonhas.
Depois, onde é visível o jardim
Através do portão de grade dada,
Põe quantas flores são as mais risonhas,

Para que te conheçam só assim.
Onde ninguém o vir não ponhas nada.
Faze canteiros como os que outros têm,
Onde os olhares possam entrever
O teu jardim com lho vais mostrar.

Mas onde és teu, e nunca o vê ninguém,
Deixa as flores que vêm do chão crescer
E deixa as ervas naturais medrar.

Faze de ti um duplo ser guardado;
E que ninguém, que veja e fite, possa
Saber mais que um jardim de quem tu és -
Um jardim ostensivo e reservado,
Por trás do qual a flor nativa roça
A erva tão pobre que nem tu a vês...

17.9.06

Adélia Prado. ENSINAMENTO

Minha mãe achava estudo
a coisa mais fina do mundo.
Não é.
A coisa mais fina do mundo
é o sentimento.
Aquele dia de noite,
o pai fazendo serão,
ela falou comigo:
“Coitado, até essa hora no serviço pesado". Arrumou pão e café,
deixou tacho no fogo com água quente.
Não me falou em amor.
Essa palavra de luxo.